sábado, 21 de novembro de 2009

v de vingança


Quase não li esse quadrinho. A introdução do David Lloyd me enojou. Ele comenta sobre um dia num pub inglês em que todos assistem programas em que “reinava o bom humor” (sitcoms, reality shows etc) e na hora do telejornal desligam a tv – ele conclui falando que “Em V de Vingança não há muitos personagens alegres e descontraídos; e é para gente que não desliga na hora do noticiário”. Minha prima diz: mas você vê jornal (mezzo verdade, logo mezzo mentira) e não é descontraída e feliz o tempo todo. FODA-SE, esse não é o ponto, um idiota que pensa a vida assim não merece um segundo da minha atenção. E essa porra de noticiário, isso agora é o que mede? Meus pais assistem mais jornal (e lêem) do que eu, mas qual de nós três apoiaria mais um campo de concentração com negros e homossexuais, como o mostrado na Inglaterra repressora retratada em V de Vingança?

O cenário é a Inglaterra, final da década de ’90, uma coisa a la 1984, um governo que tudo vê, tudo controla, que foi aos poucos subtraindo cultura e liberdade individual dos cidadãos, tudo em nome de uma segurança e do símbolo original, românico, do fascismo: um graveto sozinho quebra, todos juntos não. Depois de uma guerra na terra, os países estão enfraquecidos, vivendo situações ambientalmente adversas, e um partido se destaca, levando liderança e esperança para os ingleses. Inglaterra triunfa, diz o sr. Susan, o chefe. Ele vive como os outros, um asceta, sem prazeres, sem tirar vantagem de sua posição – acredita no que prega, ao contrário de grande parte de seus parceiros, do bispo corrupto.

Qual seria a diferença entre este controle total, que prega que a liberdade é um luxo do qual devemos abdicar pela sobrevivência, mantida pelo governo e a “terapia de choque” que o revolucionário V aplica a Evey? Mantendo-a em cativeiro, sob a ilusão de que está detida pelo governo, torturando-a, interrogando-a, intimidando-a, tosando-lhe os cabelos... Faz parte da “educação”, é para libertar Evey, para ela ver que sua dignidade, aquele centímetro que resta, é o que realmente importa. Whatever. Vamos dar a césar o que é de césar; V de Vingança tem um roteiro interessante, reflete sobre questões importantes, é uma história narrativamente bem resolvida, o traço é ok (a máscara, aparentemente inspirada no Fawkes, é coisa de gênio). O que pega, pra mim, é a parte ideológica; não tem como gostar se você discorda – o máximo que posso chegar, com essa hq, é uma admiração fria, mas, convenhamos, na maior parte do tempo me venjo irritada. O filme, entretanto, me irritou mais; perto dele a HQ parece algo comedida, embora não, não é essa a palavra... Acho que o filme realçou certos aspectos dramáticos, como o fato de deixar até o final no ar a decisão de Evey sobre dar ou não continuidade ao que V vinha fazendo. Isso não existe de maneira tão construidinha assim nos quadrinhos... Não tem nada esperando o play, não culmina com a decisão dela, não há explosão final e a massa invadindo as ruas... Na HQ também Evey é mais uma personagem, não alguém que acompanhamos majoritariamente, que parece nos representar na história, como ocorria com o filme... Isso fazia com que no filme a torcida para que ela, que era a consciência, que recuava em alguns momentos e dizia “não vou matar nem por você”, dissesse “não” ao terrorismo – fosse pela liberdade ou o caralho! Vamos entrar nessa agora? Pela religião não vale, pela liberdade sim. Ao totalitarismo, nada, à liberdade, tudo tudo tudo. Não vamos nos escravizar ok - nossos limites devem ser éticos e morais, e não temáticos.

Não me incomoda tanto que V, esse ser grotesco, sempre com um sorriso no rosto, citando Shakespeare, Fausto de Marlowe e Velvet Underground, quisesse homenagear Guy Fawkes e usasse uma estória de amor e o perfume das rosas como epílogo para a vida de bandidos governamentais. V era um terrorista (herói é o caralho!) e provavelmente perturbado mentalmente. Me incomoda, sim, Evey, acabar cedendo a isso, aparentemente convencida de que contra a ditadura em que viviam só pegando em armas pelas liberdades individuais. E aí fica a mal-afamada "mensagem" da história: alguém inocente, inicialmente relutante a estes métodos, acaba se convencendo de tem que ser assim. Eu não tenho a solução, nem idéia do que faria no lugar deles; provavelmente daria a outra face (just as Cristo, sem cinismo, seus filhos da puta). É que nem aquela questão do desarmamento, eu atiraria num “bandido”?. Não é questão de superioridade, de “não querer me igualar a eles”, me nivelar por baixo. Só não preciso de mais pesadelos – e olho por olho todo mundo fica cego mesmo, convenhamos.


Publicado em: abril de 2006
Editora: Panini
Licenciador: DC (Vertigo)
Categoria: Edição Especial
Genero: Alternativo
Status: Edição única
Número de páginas: 310
Formato: Americano (17 x 26 cm)
Colorido/Lombada quadrada
Preço: R$ 39,90

(post de 27 de dezembro de 2007)