sábado, 21 de novembro de 2009

a moça com a valise


O filme começa com o casal na estrada; ele casual, parecendo entediado e apressado. Para o carro para que ela faça xixi; ele desce e parece tentar tirar uma mala do bagageiro, olha de um lado pro outro e desiste da idéia – largá-la ali. Ele tem o jeito arrumadinho, a blusa com os botões abertos – ew. Ela está felizzzzzzz. Logo adiante, ele acaba concretizando sua vontade de largá-la, quando para num mecânico, a pretexto de um barulho estranho no motor. Ela vai ao bar tomar algo e ele larga as coisas dela (apenas uma valise) e se manda. O escroque.

Claudia Cardinale é Aida, a moça com a valise. Enganada, largada por sua conta e risco, com nada mais do que um nome falso dado por Marcello, Aida liga para o número que tinha dele: não, não tem ninguém com esse nome aqui. Triste coisa pensar numa moça sozinha numa estrada, somente com uma valise, chorando porque caiu no papo de um cretino.


Aida não desiste de achar Marcello e de algum modo vai parar na porta da casa dele – uma mansão onde ele vive com o pai, ausente, a tia, que cuida de tudo, e o irmão mais moço, Lorenzo. E é a Lorenzo que ele pede que se livre de Aida, que invente qualquer desculpa para que ela vá embora e não volte mais. Mas os dois irmãos têm naturezas diferentes e Lorenzo, de 16 anos, acaba se encantando por Aida, encantamento inicial que acaba virando uma paixão. O primeiro amor, repleto de inocência e melancolia, é a temática desse filme de Valério Zurlini, diretor italiano que finalmente tem sua obra lançada em dvd no Brasil.

Lorenzo tenta cuidar de Aida, dá-lhe presentes e tudo que o dinheiro pode comprar; já ela está mais preocupada em botar sua vida nos trilhos do que em ter um envolvimento amoroso com Lorenzo; ela sente que ele está apaixonado, mas se não o incentiva, também não o desestimula.

Descobrimos que Aida é uma bailarina, que trabalhava em uma ópera, e que Marcello a convenceu a sair de lá por uma oferta melhor – desempregada, sem perspectivas, com um filho e a possibilidade de acabar na prostituição, se concentra em achar Marcello e conseguir seu emprego de novo.

E Lorenzo usa o dinheiro e o nome da família para dar-lhe conforto e mantê-la por perto – também com esse fim, ele mente mente mente. Desde o início, obviamente, quando ele acoberta o irmão, até quando finge que o encontrou e que foi tudo um mal entendido para que Aida não volte para o seu antigo emprego e suma de sua vida.

O relacionamento entre eles já nasce fadado ao fracasso, ao menos a certo tipo de fracasso (sem “felizes para sempre” e essas coisas), mas nada disso importa. Você sabe, muitos dizem que o cinema ainda é muito “literário”, no sentido de se prender muito a maneiras de contar estórias herdadas da literatura e até mesmo, bom, a estórias. Zurlini não tem nada de inovador e bombástico na sua linguagem – é uma narrativa clássica. Apesar disso, como todos os bons filmes, está totalmente subordinado a seus elementos plásticos. O bom roteiro se diluí e ganha força ao mesmo tempo, com a fantástica fotografia, a atuação soberba do par principal e o uso da trilha sonora.

Os belos planos de Zurlini são enriquecidos pela fotografia de Tino Santini; dá vontade de morar em cada take daqueles.
Claudia Cardinale está linda e viçosa no papel de Aida; tem algo de selvagem, de cheia de vida, e ainda assim é muito terna; já Jacques Perrin, tão novinho aqui, tem a beleza asséptica de um garoto aprumado de 16 anos, cheio de inocência. Na boca deles, as falas são tão naturais que deixam de ser falas e são realmente diálogos.

A trilha sonora, por sua vez, transforma cenas que de outra maneira seriam... nem sei, nem dá pra dissociar, mas faz com que certas cenas se transformem em pequenos clássicos, e não posso deixar de citar algumas, tão lindas: 1) Aida sai do banho, ouvindo uma ária com seu nome, e fica parada na escada, vendo Lorenzo cantar a música, um pouco rindo, um pouco sério; 2) a fantástica cena em que Lorenzo, enciumado, vê Aida dançando com outro homem e se embebeda, um dos poucos closes do filme, os dois parecendo aflitos, ao som de uma música que fala sobre como o primeiro amor é o mais intenso e o coração nunca vai ser dado novamente como daquela maneira. Na seqüência, eles discutem e fazem as pazes, e ela canta para ele, um momento de ternura imensurável, e ao mesmo tempo triste (a andorinha mais bela, que se molha toda ao voar sobre o mar, quem seria se não Aida?) e 3) a cena em que Lorenzo entra numa briga ao som de Tintarella de Luna.

Um filme pra se ver e rever.


Título Original: La Ragazza con la valigia
Direção: Valerio Zurlini
Elenco: Claudia Cardinale, Jacques Perrin, Luciana Angiolillo, Renato Baldini, Riccardo Garrone, Elsa Albani, Corrado Pani, Gian Maria Volontè, Romolo Valli
Ano de Produção: 1961
Duração: 121 minutos
Cor: Preto e Branco
Gênero: Drama

(post de 16 de dezembro de 2007)