quarta-feira, 29 de agosto de 2007

dicionário vs. livros (não que o dicionário não seja livro ok)

dia desses tava conversando com um colega da faculdade sobre ler em inglês; se eu lia com dicionário do lado ou ia tentando inferir, se entendia tudo etc. falei pra ele que formei meu vocabulário em português basicamente lendo e captando o sentido das palavras, mas que com inglês o ideal era dosar, pois o total de palavras desconhecidas tende (dã) a ser maior. ele ficou um pouco surpreso ao saber que considero um vocabulário formado em leituras mais sólido e disse pensar o inverso.

quando estava no ginásio, meu vocabulário era maior que o dos meus colegas, e eu era considerada a tira-dúvidas do pessuel. sempre me perguntavam quando viam uma palavra que desconheciam. eu sempre respondia "é como se fosse...", "é tipo assim..." etc. não sabia dar definição completa, de dicionário, pra maior parte delas, o que me irritava um pouco. ao chegar em casa, sempre conferia e, o que acontece até hoje, achava divertido ver a definição de uma palavra que conheço de cabo a rabo. a verdade é que aprendi a maior parte delas lendo no contexto; passava como um trator pela maior parte das palavras desconhecidas, exceção feita àquelas que eram muito desconcertantes, claro, e de um modo ou de outro fui entendendo essas palavras, que se integravam naturalmente à minha fala.

no colegial eu tinha um professor que fazia as construções de frase mais estranhas do mundo. um dia, na aula, eu pensei: esse cara deve ler dicionário. nada contra ler dicionário, é dos melhores e mais divertidos livros do mundo. mas eu comecei a notar quando as pessoas aprendem as palavras do dicionário. no caso desse meu professor, acho que ele não aprendia direito e gerava distorções nos usos das palavras; penei pra me lembrar de um exemplo mas até agora não consegui. era uma coisa que me entretinha muito na aula (chatíssima) dele, ficar vendo-o usar palavras que devia julgar bonitas totalmente fora de um contexto, ficava algo grotesco. mas no geral o que ocorre é que o significado da palavra é bem compreendido, a pessoa usa com naturalidade, mas por algum motivo ela fica se destacando na frase, asseada, empoada, brilhante.

eu (e provavelmente um monte de pedagogos brinks) ainda acho que ler é a melhor maneira de fazer com que as palavras se entranhem em nós nos seus significados mais reais e, geralmente, bonitos.

porque inovar é uma arte.

domingo, 26 de agosto de 2007

making of


Durante minha primeira infância, vivi no Itaigara. Morava lá, estudava lá, brincava lá. Aos 7 anos me mudei para a Pituba, onde vivo até o dia de hoje, nos limites de Amaralina. Sou o que se chama pejorativamente de “menina de play”, com o espaço para brincadeiras bem delimitado no cotidiano. Nunca tive problemas com isso; gostava moderadamente de brincar de polícia e ladrão, bandeirinha, esconde-esconde na garagem, mas desde cedo minha individualidade se destacava em relação à minha sociabilidade. Eu era uma criança que gostava de ler, algo que é essencialmente solitário. Casualmente, às vezes, ia para Lauro de Freitas, onde um tio tinha uma casa e onde, inesperadamente, gozava do prazer de subir em árvores, algo que me acompanhou vida afora. Meus avós paternos toda a vida viveram em Mont Serrat, mas lá para mim era mais uma casa, numa ladeirinha estreita, do que um exuberante e charmoso bairro (até hoje me choco quando o carro vira no sopé da ladeira e ali está uma praia, bonita, pulsante, um campo de futebol cheio gente, um barulho insuspeito 100m acima). Tomar um sorvete por ali era exceção, a regra era ficar confinada na casa, solidamente sem graça e atrativos para uma criança.

Não pensava muito nisso até entrar na faculdade, quando fui levada a crer que morar na Pituba Não É Bom O Bastante; que sou uma “pitubinha” e, sim, burguesa (ainda usam esse termo sem o devido contexto histórico).

Entendo o rancor daqueles que se criam ouvindo que moram longe. No colegial tinha uma amiga que vivia na Ribeira: fui lá somente uma vez, viagem traumática sobre a roda de um ônibus, aparentemente interminável e, no final, era só uma casa em um bairro. Eu particularmente nunca ajudei muito a derrubar o estereótipo de “jovem alienada que acha que o mundo acaba na Barra”; a junção do puro desinteresse, minha pouca vontade de sair de casa e uma incrível inabilidade geográfica conspiraram pra que realmente eu me tornasse o que sou hoje, uma ignorante, no geral, da cidade de Salvador.

A Pituba me acostumou mal: tem todos os bancos que eu possa precisar (na realidade, em uma única avenida!), farmácia, médico, escola, um ponto de ônibus acessível e de fácil trânsito. Seu planejamento regular, com transversais e paralelas, torna fácil até mesmo para mim não perder a referência e, em última instância, não me perder. Percebi enquanto caminhava pelo Bonfim que realmente a pessoa tem que ser nem que seja um pouco mais safa do que eu pra se virar naquelas ruas tortas. Sou pajeada por padarias de bairro e uma filial da maior da cidade; um Bompreço em frente à minha casa, que anos depois foi, surrealmente, incrementado com um Bob’s. Tem algumas lojas de roupas espalhadas por pequenos shoppings ordinários, um teatro ao qual nunca fui, uma simpática igreja, algumas praças, pelo menos dois sebos, uma loja de mídias com bons preços a uma caminhada de 10 minutos, uma papelaria, uma boa banca. Duas livrarias (Cultura e Civilização Brasileira) e, lá na ponta, a mega store Nobel (tem uma parte para lanches, filmes, revistas, discos e livros, divisão que acaba por dificultar que se tenha qualidade em algo, mas pelo menos as promoções para locar temporadas de seriados são boas). Tem a GPW também, que apesar de cara é a mais completa vídeolocadora da cidade. Para escapar dela, pode-se cadastrar em uma “locadora de bairro”; tem duas bem perto de mim, meu irmão se cadastrou recentemente e ta fazendo a festa. Já ia esquecendo, para quem gosta tem barzinho, caranguejo, clube de strip etc etc. Cada um se diverte como pode, né?

Tudo isso é infra-estrutura. Não fala nada sobre o “clima” do bairro. Dizem que não tem alma, que é insosso, cheio de boyzinho. O que posso dizer? Cada um com o zeitgeist (sei que é para época!) que merece. Realmente, a Pituba, apesar de toda essa vantagem na frente de todo e qualquer outro bairro do mundo (vivo aqui há uns 14 anos), não é nem o meu lugar favorito (prefiro o Campo Grande e a Praça da Sé). Mas não posso evitar de pensar, sempre que to chegando em casa, quando passo pela somed e viro à direita, e vejo toda a rua amazonas se estendendo diante de mim, ladeada por amendoeiras que dão uma sombra gostosa, com um ventinho fresco batendo e certa tranqüilidade, bem, não posso evitar de pensar como minha rua é aprazível. Talvez não arrebate, como arrebata tomar um sorvete do lado do Elevador Lacerda, vendo a Baía de Todos os Santos. Não é turístico, mas aprazível é bom (e não é sem graça). Não entendo tanta má vontade com um bairro que tem uma das arborizações mais simpáticas da cidade (sim). Isso me chocou muito cedo na vida adulta, despertando até certo bairrismo já derrotado dentro de mim.

Para a classe média, nada. No fundo parece que esse é o problema. Reconheço que tem muito patricinha e mauricinho no bairro. E daí? A diversão na Pituba tem esse ranço de classe média metida a besta, não tem o charme do Rio Vermelho, a suposta classe da Barra. Esse é o aspecto que eu menos ligo, bjs. Não quero saber de casa de show, de bar, de nada disso. Entrei num barzinho desses uma vez e odiei. Mas acho bom caminhar toda a rua amazonas até chegar à sorveteria amaralina e ficar sentado na praça diante dela, tomando sorvete de brigadeiro e vendo crianças correndo atrás de pombos, um beagle alma gêmea de Daphne, e um apartamento simpático que me lembrou a casa do Gene Kelly em Um Americano Em Paris.

Fui levada a crer que a baianidade desse bairro é quase nula, que tudo aqui é um arremedo. Roots mesmo é cidade baixa, comércio, centro. Entrevistar velhinhos cheios de lembranças, enaltecer como esses bairros antigos são ternos, com moradores solidários e alma de cidade do interior. Falar que casa é melhor que apartamento. Perfilar o Bonfim tudo bem, a Pituba é heresia. Eu não ligo, eu sinceramente não ligo, pro que Milton Santos disse – eu gosto de árvores, de praças, de jardins, de prédios sem pastilhas (infelizmente o meu tem, aliás, meu prédio é bem feio), de velhinhas indo pra igreja, de um mar que se oferece fácil no horizonte e, sim, de facilidades.

post scriptum: é Sinfonia de Paris porra! Sempre penso no nome em inglês, por conta disso já me ofereceram LOBISOMEM AMERICANO EM PARIS na locadora.