segunda-feira, 12 de março de 2007

Da Set

A escolha de Sofia, por Carmen Neilstein


Nascida no meio de um set de filmagens, Sofia Coppola deixa de lado a decepção como atriz para se firmar de vez como diretora no ousado Maria Antonieta.


Aos 35 anos de idade, Sofia Coppola fez uma aposta alta no seu terceiro longa-metragem de ficção. Maria Antonieta, que traz Kirsten Dunst no papel-título, reproduz o tour-de-force empreendido por uma jovem austríaca de 14 anos na corte francesa do século 18. Prometida pela mãe, a rainha Teresa do Império Austro-Húngaro, ao futuro rei Luís XVI da França,ela enfrenta o desafio de despertar o interesse sexual de seu jovem parceiro, de cativar uma nobreza hostil e de se manter firme na sua posição de futura rainha.


Mais uma vez, Sofia mergulha no universo feminino, tema recorrente em seus filmes. Ao eleger Maria Antonieta como personagem e símbolo, ela indaga sobre como essa jovem enfrentou o rito de passagem da adolescência para a idade adulta, apesar de toda a riqueza e ostentação que estava ao seu redor. Mais ainda: identifica nela a inocência nociva de uma classe dominante voltada para si mesma e completamente irresponsável. É uma aposta alta, incompreendida pelos críticos franceses durante o Festival de Cannes do ano passado, mas ainda assim ousada, como explica a diretora na entrevista a seguir.

Qual a origem desse projeto?

Depois de As Virgens Suicidas, procurei algo completamente diferente e li a biografia Maria Antonieta, escrita por Antonia Fraser. Maria Antonieta tinha apenas 14 anos quando foi para Versalhes se casar com o futuro Luís XVI. Nunca havia me dado conta de como ela era jovem, só sabia os mitos e os clichês habituais em torno dela. Foi interessante ler como ela cresce em um contexto extremo como era o da corte real de Versalhes, com suas intrigas e o poder político. A idéia era mostrar a diferença entre os mitos, a visão que se tinha de Maria Antonieta e mais ou menos da verdadeira rainha: uma adolescente que era jovialmente vibrante e impressionantemente contemporânea em suas lutas contra a solidão, o amor, os desejos, a maturidade e as fofocas na corte real. A história que eu queria contar começa com a chegada dela a Versalhes e termina com fuga de lá. Meu desejo era acompanhá-la desde a juventude até virar uma mulher, para que o público pudesse ver sua transformação e sua jornada através dos obstáculos com os quais se depara. E como ela finalmente surge como uma rainha no balcão do palácio.


Você pode explicar uma das últimas cenas, quando Maria Antonieta abre a janela e fala para a multidão?

Quando me contaram a história do balcão de Versalhes, soube que esse foi o momento que ela se tornou rainha. E, claro, há algo de especial nessa cena. Ela se oferece à turba, à esfomeada classe trabalhadora francesa. Minha intenção era mostra esse instante, quando ela se torna rainha de verdade.


Foi questão de equilíbrio torná-la uma pessoa ambígua?

Não queria que ela fosse uma heroína ou uma vilã. Queria mostrar o lado humano dela.

A obsessão de Luís XVI por cadeados é obviamente uma metáfora sexual. Quando o casamento não é consumado, o irmão de Maria Antonieta refere-se à defloração dela usando um cadeado como exemplo. Como surgiu essa idéia?

Eu achava que essa história era um senso comum. Imaginei o diálogo entre o irmão de Maria Antonieta e Luís XVI, porque ninguém sabe o que falaram. O que li enquanto estava fazendo a pesquisa foi que houve uma conversa entre eles sobre sexo. O rei pediu a ele para falar com Luís XVI sobre o assunto.


O que você sabe acerca do caso dela com o soldado dinamarquês?
Ninguém sabe por quanto tempo eles trocaram cartas nem quanto tempo eles passaram juntos. Parece que eles tiveram um romance, pelo que eu li. Pelo menos, espero que tenham tido um.

Você acha que Maria Antonieta era incompreendida porque era muito jovem ou porque era austríaca?
Muitos aspectos contaram. Os franceses e os austríacos não gostavam uns dos outros, por isso havia muita hostilidade em relação a alguém que era austríaco. Na época, as pessoas faziam piadas a respeito de Maria Antonieta.

O que fez você fazer o filme em inglês e não em francês?
Nasci nos Estados Unidos e trabalho em inglês. E gosto de filmes como Ligações Perigosas. Esse filme é em inglês também. E queria trabalhar com Kirsten Dunst. E não ia aborda-lo como um trabalho de época convencional.


Por que o rock no filme?
Isso teve a ver com o fato de que Luís XVI e Maria Antonieta serem adolescentes. por isso, coloquei a música para refletir suas emoções, em contraste com a música mais formal da corte.


Além do rock, há outro anacronismo no filme, um tênis. Há mais dessas brincadeiras no longa?
Não, nada além disso. E eu só queria brincar nessa cena.

Você poderia explicar o uso da música – a maior parte dela pop rock dos anos 80 – no filme?
Queria misturar música de época e música contemporânea, desejava trazer o espírito do new romantic para dentro do filme. Por exemplo, usei “I Want Candy”, do Bow Wow Wow, como expressão dos impulsos de Maria Antonieta para se realizar por meio do prazer. Quando eu era mais jovem, meu irmão ouvia música dos anos 80. Queria que a trilha tivesse esses elementos. E também porque há um espírito divertido nessa parte do longa.

Quando a gente vê o pôster,a primeira coisa que vem à cabeça é o Sex Pistols. É uma referência ao punk?
Não tanto ao espírito punk, mas mais a Malcolm McLaren, ao Spandau Ballet e Bow Wow Wow. Há algo de irreverente no fato de esses dois garotos estarem encarregados de um país.

O que há em Kirsten Dunst que a fez querer trabalhar com ela pela segunda vez seguida?
Kirsten tem um talento para expressar as emoções sem muito esforço. Apenas um simples movimento. E quando li a respeito de Maria Antonieta, a descrição de sua personalidade, imediatamente a imagem de Kirsten veio à mente porque ela é muito brincalhona, divertida e “menininha”, mas também tem um lado muito sério.

Quais foram os prós e os contras de filmar em Versalhes?
Foi incrível filmar no verdadeiro chato de Versalhes e ter a possibilidade de recriar o mundo em que Maria Antonieta viveu. Tem tanta história que ajudou os atores a entrar nos personagens.

Você assumiu uma liberdade artística ou foi fiel à história?
Baseei tudo nos fatos que pesquisei, mas também usei minha imaginação, já que não sabemos o que ela conversava com as amigas quando estava nas salas privadas. Imagino sobre o que as garotas falam e o que elas podem ter falado. Mas a maior parte disso foi baseado em histórias verdadeiras.

A certa altura, você ofereceu o papel de rei a Alain Delon. O que aconteceu?
Quando pensei em escalar um ator para o papel de rei da França queria alguém que fosse conhecido por sua popularidade entre as mulheres. E queria um ator francês. O rei era conhecido por seu amor pelas mulheres e era bonito. Imediatamente pensei em Alain Delon. Ele achou uma péssima idéia fazer esse filme em inglês, mas fiquei feliz com Rip Torn.

A vida de Maria Antonieta foi determinada desde o nascimento. Você já se sentiu assim por ter nascido no mundo do cinema?
Nascer na minha família me permitiu ver o mundo e viajar bastante. Não fiquei numa bolha.

O que você aprendeu sobre Maria Antonieta? Você se identifica com ela?
É um tema universal, toda garota passa por isso. Você tem de fazer escolhas, é sobre encontrar sua identidade, lutar contras as expectativas que as pessoas têm de você, o que está ao seu redor. Apenas essa transformação de uma jovem em adulta. Em um aspecto humano, eu posso me relacionar com isso e, claro, Maria Antonieta é um exemplo muito extremo de uma garota. Não posso imaginar com ela se sentia, mas fiz o máximo para chegar a esse resultado.


OS TRABALHOS DE SOFIA

Uma filmografia bem curta, poderosa e muito feminina

As Virgens Suicidas (1999)

Sofia Coppola inspirou-se no romance homônimo de Jeffrey Eigenides para fazer seu primeiro longa-metragem de ficção, filme que investiga as razões pelas quais cinco irmãs resolveram se matar em um subúrbio de Detroit, nos anos 70. Desde cedo, ela debruça-se sobre a questão feminina e ao tédio que assola uma parte significativa das jovens gerações. Sua primeira colaboração com Kirsten Dunst.


Encontros e Desencontros (2002)

Se parecia hesitante no primeiro filme, Sofia mostrou decisão na segunda chance. Nesta comédia romântica heterodoxa, ela volta a tratar da questão feminina e do tédio. Só que desta vez o olhar é de um homem, o “ator” interpretado por Bill Murray, e a abordagem é mais sofisticada. Os personagens são celebridades entediadas com o meio onde circulam, pessoas em busca da liberdade do anonimato e da espontaneidade que parece ter se perdido. Há um tom predominante de melancolia, dado pela impossibilidade de o romance entre Murray e a personagem de Scarlett Johansson se concretizar. Mas existe uma esperança no ar, de que essas lacunas sejam preenchidas um dia.

Maria Antonieta (2005)

Inspirada na biografia da rainha, escrita pela historiadora inglesa Antonia Fraser, Sofia aposta na radicalização do retrato histórico, na subversão das referências e na mistura de elementos. Sem se dar conta de que não existiam, no século 18, conceitos modernos como adolescência, ela mostra como uma jovem mulher de 14 anos sai do lar onde foi concebida e educada, no conservador Império Austro-Húngaro, para ser rainha de uma das potências da época, a França. Seu papel como arrimo de uma família real que lutava para manter o status em uma Europa dividida era determinante e um fardo muito pesado de se carregar. Para quebrar o peso dessa premissa, ela interfere com música pop – a new romantic dos anos 80m que celebrava, como os nobres franceses, o hedonismo.

Crítica:
Maria Antonieta
Sofia Coppola vê a queda da monarquia francesa com olhos falsamente ingênuos

Desde que foi exibido no Festival de Cannes, em maio do ano passado, Maria Antonieta está sendo julgado por aquilo que não é. O filme de Sofia Coppola não é uma simples cinebiografia da última rainha da França, historicamente retratada como uma mulher insensível, fútil e frívola. Talvez seja mais o recorte de uma vida, a tentativa de entender a pressão sofrida por uma jovem arrancada do convívio familiar e mergulhada em um mundo completamente estranho para aceder aos caprichos da mãe ávida por poder. Nesse sentido, pode-se dizer que Sofia também está na categoria dos incompreendidos, já que os críticos – os franceses – não compreenderam sua proposta.

Maria Antonieta acompanha a permanência da rainha (Kirsten Dunst) na corte de Versalhes dos 14 aos 30 anos, quando foge da fúria dos camponeses revolucionários. Rodado nas dependências do suntuoso palácio real francês, o filme exibe rigor na reconstituição daquela época. O que dá a sensação de que algumas coisas não se encaixam: o tênis do futuro rei Luís XVI e a trilha sonora dos anos 80. O anacronismo, nesses dois casos, está de acordo com a proposta de Sofia, que é criar um respiro nessa história.

A trilha sonora esconde outra função, esta muito mais subliminar. Composta basicamente por música pop, com ênfase no new romantic, a trilha acompanha o espírito hedonista que rondava a corte francesa. Essa tendência dos anos 80, que treve em grupos como Duran Duran, Bow Wow Wow e outros seus principais representantes, celebrava esse espírito em oposição ao rock clássico e de protesto que prevaleceram nas décadas anteriores. Parece apenas um detalhe, mas a leitura que permite faz toda a diferença. E Sofia sabe disso.

Nota:8

Alessandro Giannini