domingo, 1 de abril de 2007

O CÉU É UM SET DA MGM


O CÉU É UM SET DA MGM


Existe algo errado num mundo em que as pessoas não saem cantando e dançando na rua. POR ALEXANDRE SOARES SILVA.

Ah, musicais. Estou disposto a defender a tese de que a MGM, quando Arthur Freed era produtor lá, e especialmente no período entre O Mágico de Oz (1939) e Gigi (1958), era solo sagrado. Tenho uma devoção religiosa a nomes como Freed, Fred Astaire, Betty Comden, Alan Jay Lerner e Frederick Loewe; e toda a minha noção do que é sublime vem da cena da charrete em A Roda da Fortuna.

As pessoas sempre riem dos musicais porque um personagem de repente sai cantando, mas deviam rir é da vida porque ninguém sai cantando assim - improvisando de súbito uma melodia perfeita e uma letra toda espertinha. Vocês não sentem que a vida devia ser assim? Não é esse o prazer de ver um musical - imaginar um mundo em que nosso pensamento seja tão rápido, tão desimpedido de sono, cansaço e burrice que possamos improvisar grandes músicas ao ritmo de uma a cada dez minutos, no supermercado, na feira, no aeroporto? E onde nossos corpos sejam tão ágeis (ou talvez a gravidade seja um pouquinho menor, ou ambos) que enquanto cantamos vamos improvisando uma dança descendo e subindo as arquibancadas da quadra de vôlei, enquanto as outras pessoas não riem, mas pelo contrário, se juntam à dança numa coreografia espontânea, espantosa?

Existe algo de errado num mundo em que as pessoas não saem cantando e dançando na rua, e se muitas pessoas não gostam de musicais é porque sentem que esses filmes a criticam de uma forma mais violenta que qualquer outra forma de arte. Outras formas de arte ficam nos acusando de sermos burgueses, alienados, meio esquecidos, vesgos, carecas, barrigudinhos - todas acusações ridículas. Não, é pior. Somos aqueles que são incapazes de improvisar uma música quando compramos uma maçã de uma velhinha dançante numa banca de frutas colorida como um set de Vincent Minelli.

Essa falha na natureza humana só será redimida no céu. Quando se diz que os anjos cantam, é isso que se quer dizer - que eles cantam. Os retratos mais realistas da vida no céu - de um realismo de cinema italiano do pós-guerra, mesmo - são filmes como Um Americano em Paris e A Roda da Fortuna - que são uma espécie de descrição literal de como vivem os santos depois dos martírios todos. Depois que as fogueiras esfriaram e os leões fizeram suas digestões, os mártires subiram para um céu que se parece com um set de Paris da MGM, e estão cantando até hoje, com George e Ira Gershwin e Cole Porter tentando anotar a letra em pedacinhos de papel e nas mangas das camisas, mas sendo impossibilitados pelo fato de que estão eles mesmos dançando como loucos. Deus, mesmo, é um número de dança.

fonte: Bravo 115

Vídeo do Gente Kelly, just singing in the rain...