sábado, 7 de fevereiro de 2009

Revolutionary Road.

Há alguns filmes cujas transposições para o cinema muito me intrigam. Por exemplo, eu vi O Poderoso Chefão, que considero uma obra competente enquanto literatura, e me perguntei o porquê daquilo ali. Um dia, assim, o Coppola acordou numa dessas? O filme não me acrescentou nada – é tão escarradamente o livro, o livro é tão uma narrativa que ajuda a construir um “filminho na cabeça” que para mim o filme se justificaria apenas pelas suas atuações espetaculares – mas sei lá, não desceu para mim. É o que, preguiça de ler, galera?

Essa é a suposta atração das adaptações: as pessoas brigam por fidelidade, querem ver linha por linha exposta na tela. Mas é claro que as linguagens são diferentes e algo ser exitoso em um destes suportes não garante nada para o outro – a não ser ansiedade de quem vai ver, o que é sempre ruim.

Eu, particularmente, sou meio sem critérios e é claro que tento me desligar do livro. É outra coisa na tela. Não fui das que ficaram brigando por cada mudança que o Peter Jackson fez em O Senhor dos Anéis, por exemplo. Também sei apreciar O grande garoto, que é um filme simpático e menor, como o livro, mas sem o carisma do segundo.

Me desculpem o clichê, mas Revolutionary Road, o livro, é imensamente superior ao filme. Sei que este não é ponto e abordo isto aqui até um pouco envergonhada. Acho que cometi um erro crasso ao assistir o filme com o livro ainda muito fresco na minha cabeça. Tão fresco que algumas falas do filme ecoavam em lembrança ao que tinha lido – tem trechos idênticos.

Mas vou dizer a vocês, é inevitável. É inevitável se você ler uma história cheia de nuances, uma história sobre a adaptação social e os jogos de identidade e reconhecimento, uma história sobre casamento e conveniência, felicidade e rotina, etc, transposto para a tela apenas como um daqueles milésimos filmes sobre os subúrbios norte-americanos e como a vida perfeita do lado de fora é, na verdade, podre por dentro. Para isto aí vocês podem até recorrer ao próprio Sam Mendes e o overrated Beleza Americana.


O livro do Richard Yates obviamente trata um pouco disso, até por também ter esse pano de fundo da década de 1950, a situação da mulher, blas. Mas não é esse o cerne do livro. É um livro tão forte, tão pungente, tão maravilhoso, que qualquer um pode relate, e não pelo aspecto de mencionar essas questões de vida de conveniência (tipo como a vida nos obriga a lidar com coisas que não nos importamos). É um livro sobre dúvidas, incertezas, ansiedade, angústia existencial. Digo a vocês que eu, que não vivo uma vida de aparências em um sentido clássico, me identifiquei totalmente com o livro.

No filme isso é impossível. É aquela coisa do casamento em crise – que na verdade era só um sintoma – e tome-lhe pau nisso. Fiquei tão desgostosa vendo essa súmula mal feita do que o Yates disse que sai do cinema meio mal humorada. A Kate Winslet, claro, está bem. A April é uma personagem difícil, até no livro é muito demorado qualquer momento real sobre ela, e no filme eles envernizaram tanto que não sobrou muita coisa... O Leonardo ta um tom acima, tipo um tiquinho a mais poser do que deveria, mas também está bem, no geral. No todo, é uma escalação muito boa e devo dizer que meu "filminho na cabeça" sempre foi com os dois enquanto lia o Yates (influenciada já, é claro, mas isso nem sempre cola...)


Vejam o filme. Queria ter tido essa experiência sem ler o livro... Provavelmente ia achar só boring, tipo Beleza Americana. Tendo lido o livro, fico me perguntando se o Sam Mendes é míope, idiota ou sonhou em fazer uma adaptação mara e não conseguiu... Não sei como seria uma adaptação boa desse filme... Tudo está nas entrelinhas, nos pensamentos, nos gestos curtos... Acima de tudo, se puderem, leiam Foi Apenas um Sonho. Foi reeditado agora (com Winslet&DiCaprio na capa) e blas. Recomendadíssimo.