segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

o curioso caso de benjamin button

“A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18″. O Mark Twain disse isso, dentre as muitas coisas geniais, sapientes, interessantes, engraçadas e inusuais que ele disse e escreveu em seus 74 anos de vida. Onze anos depois da morte do Twain, o Scott Fitzgerald, então no início de sua carreira como escritor, pegou o mote da frase e transformou em O Curioso Caso de Benjamin Button, lançado primeiro em uma revista literária e depois em um livro de contos.


Com sua frase, Twain estava contemplando a felicidade hipotética de ter o vigor físico, mental e a sapiência coincidindo. Naquelas de "ah, se com meus 18 anos eu soubesse do que sei agora, aproveitaria melhor etc". Twain parece refletir sobre qual o ponto de acumularmos experiências e sapiência por toda uma vida se ao final dela vamos... morrer - sem termos o vigor para usar.

O conto do Fitzgerald é um exercício sobre isso. O Twain pensou em voz alta e o Fitz fez um conto, pequeno, conciso, mostrando a vida de um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo com o passar dos anos. Vejo este conto como algo bem menor no Fitzgerald - especialmente porque acho que ele perdeu algo do que o Mark falou. O Benjamin do Fitzgerald nasce velho - e falando e sabendo - e termina a estória na escolinha repetindo "elefante" depois da babá. Qual o ponto disso? No conto, o Benjamin não adquire nada com o tempo que vá aproveitar depois. Ele não amadurece - pelo contrário. Ele vive ao contrário não só de corpo, mas de mente também, e não era disso que a frase do Twain tratava. É como se o Fitzgerald tivesse pensado no assunto meio que an passant, rapidinho.

O Fincher vai mais ao ponto. Claro que, digo aqui, o filme é só livremente inspirado no conto. Mas ele pega o que o Twain insinuou e o Fitzgerald apontou como e leva adiante: Benjamin nasce velho mas não sabe andar ou falar. Benjamin nasce velho mas não sabe o que é infância ou velhice. Ele não sente que ele é uma criança ou um idoso, especialmente. Ele tem artrite e outras doenças de velho, mas gosta de brincar de soldados, ouvir histórias e se apaixona por uma criança ruiva, mais ou menos de sua idade.


Ao longo do filme, Benjamin amadurece e rejuvenesce. Como ele cresceu em um asilo, ele conviveu cedo com velhice e morte, passa pela parte das dores e vida madura quando trabalha no mar e tem o caso com a desencantada mulher de um diplomata e finalmente, um momento na vida, um encontro em meio a uma vida de desencontros, ele consegue concretizar sua paixão com a menina ruiva por quem um dia se apaixonou (a cate blanchett, primeiro filme que ela tá true linda, digo a vocês). os dois têm a mesma idade aos 43 anos e depois disso ela vai ficando mais velha do que ele e se no começo era uma vaidadezinha ("poxa, vc cada dia mais jovem e eu cheia de rugas") depois começa a virar uma preocupação maior (tipo e quando benjamin tiver 12 anos, no corpo? e quando se tornar um bebê). não vou contar mais para não spoilar. só digo que o filme é de uma tristeza danada, porque fala de perdas, de tempo, inevitabilidades e de como realmente a vida é um monte de acaso e poucos, realmente poucos, encontros. é de chorar. e digo (sem tpm) que já estava derramando lágrimas na primeira cena.


o filme começa com a cate blanchett no hospital e o katrina chegando (a história se passa em nova orleans, quase toda) e ela conta uma história para a filha. a história é sobre um relojeiro cego cujo filho vai para a guerra. ele está fazendo um relógio mara para colocar na estação nova de trem, tipo big deal e tal. o filho do cara morre na guerra e ele e a mulher ficam arrasados. no dia da inaugração da estação de trem, ele vai lá mostrar o relógio e quando tira o pano, alguém fala " ei, este relógio está correndo para trás!", ao que o relojeiro responde: "sim. meu relógio corre para trás para, quem sabe, o tempo voltar e nosso meninos não estejam mais indo para a guerra e sim, voltando, trabalhando". e nesse momento nós vemos a cena "rebobinando" e o coração aperta. porque o tempo não para, não volta, não permite mudanças e é implacável.

talvez se o mark twain visse este filme ele repensasse sua frase, embora obviamente ainda sirva como um desejo (quem não queria ter a experiência de uma vida e um corpo jovem?) e visse que, na real, não é bem assim. o luiz carlos merten diz que este filme mostra que às vezes as coisas na vida valem por um momento: o momento em que os dois se encaram, na mesma linha de idade, prontos para terem um relacionamento, vale tudo o mais. Ele chama de "momento raro de harmonia". E o resto é o resto.

a frase do twain é nota 8 (ele tem padrões muito altos); o conto do fitzgerald eu daria um 7 (é marromeno); o filme é nota 10 (tiraria essa coisa de nova orleans, mas vai assim mesmo). tem uma hq baseada no conto, soube hoje, mas não li e não posso falar. (plus do filme: trilha do alexandre desplat, uma das quatro coisas boas de painted veil - as outras eram a naomi watts, o edward norton e a fotografia rs)

leia o conto (em inglês)

UPDATE (21/01): a diferença entre forrest gump e benjamin button: fincher. acho o filme do tom hanks tao semc arisma que nem perdi meu tempo falando de como parece blablabla, como o roteirista gosta dos mesmos temas (asi somos) etc. e sobre os clichês, ah, well... isso também sequer é uam discussão. a obra se encerra em si, e muito bem, obrigado. o ano ta forte para os filmes, mas benjamin button ta vivão.