sábado, 3 de novembro de 2007

Franny & Zooey

Eu me apaixonei por Franny à primeira vista; aliás, à primeira entre-vista, pois ela ainda não estava sequer em cena quando me ganhou. Enquanto Lane, seu namorado, a espera na estação, impaciente, puxa do bolso uma carta dela, pra reler e passar o tempo. Já nessa carta, que começa com um simpático "Queridíssimo Lane" e termina com dois ps, um deles pedindo pra não ser escrutinada por ele no final de semana, eu entrevi uma pessoa de coração grande, acho que é isso. Franny é de um leveza encantadora e uma honestidade, uma ausência tal de cinismo, que eu pensei: "esse livro já está ganho" - e estava mesmo.

Já Zooey, se parece apenas metódico e pomposo demais durante todo o tempo até acabar a leitura da carta do irmão Buddy, algo que não me gerou nem simpatia nem antipatia, mostra o que verdadeiramente é quando a mãe entra em cena: um insolente. E isso, meus caros, é demais pra mim. Pra mim ser insolente é intolerável, só perde pra ser mesquinhos nas coisas Feias do ser humano (se existe o Belo existe o Feio, e acredito que essas duas características apareçam no homem). Claro que existem pessoas que são levemente insolentes e isso fica até como um charme nelas; minha amiga Cecília é assim. O problema é quando você levanta num mau dia, daí você percebe que qualquer traço de insolência é repugnante, e fica sentindo irritação com a pessoa. Zooey não é levemente insolente, ele é tão insolente que eu fiquei pra morrer em alguns momentos. Minha vontade é de simplesmente apagar essas pessoas, por mais bonitas, inteligentes, sensuais e talentosas que elas possam ser. A maioria dos defeitos se conjuga com qualidades e a pessoa pode ser válida mesmo sendo egoísta, extravagante, mal educado etc. Só que me deixa em estado de permanente mágoa ver mesquinharia em quem amo, idem insolência. O ponto é: não gostei de Zooey.

Obviamente gostar ou não gostar não interfere na qualidade como personagem, ou impede [no geral] que desfrute do livro. Já disse aqui que prefiro não gostar do que não achar nada... Tanto no cinema quanto na literatura. Sentimentos de simpatia, ainda que moderada, de paixão, ódio ou irritação, são mais do que bem vindos.

Salinger me perseguiu um tempo, quando eu sempre via O Apanhador no Campo de Centeio na livraria, namorava um pouco e algo fazia me desistir de dar um chute no escuro por r$40, 00 (por mais que saiba que é importante, é sempre um chute no escuro...). De repente a vida o ofereceu pra mim, na pessoa de miss Novelli, que chegou botando na minha mão e falando que eu "tinha que ler". Ok, than. Deixei um ou dois dias de molho, aí resolvi começar - e li num fôlego só, numa tarde gostosa, preguiçosa, deitada na minha cama. E quando acabou, todas as impressões misturadas pela leitura rápida e ansiosa, minha cabeça girando, eu me levantei e me sentia tão animada! Mas, tão! Corri pro computador e coloquei pra tocar "Catcher", da banda sueca-delicinha Komeda. Eu já conhecia a música antes de ler o livro, e obviamente sabia que se referia ao livro (é uma das várias). A música tem uma levada mais pra melancólica que pra animada (ainda mais considerando que é o Komeda, geralmente animadao), e passamos pelos versos "Who will save your soul, who will rock'n'roll, hell don't look at me...", para afirmar, no refrão: "There ain't no catcher in the rye". Tudo bem que tem uns papapa na música, mas é totalmente monocórdio... Ok, voltando: pus a faixa pra tocar e comecei a pular que nem uma louca. Eu estava muito feliz, eufórica, eletrizada. Fiquei cantando e dançando no quartinho, com a música no repeat, e apesar de ser triste não ter um apanhador no campo de centeio e das quedas e equilíbrios ficarem por nossa conta, isso misteriosamente me deixou feliz. O livro, a música. O livro é, desculpem essas expressões batidas uó, uma lufada de energia, um murro impactante. Enquanto eu lia ia vendo como tinha ressoado e repercutido em tanta, tanta coisa. Acho que ver Deus deve ser uma experiência parecida. E é um livro bobo. Não tem nada de especial na linguagem, nada de inventivo. Claro que existe aquela primeira pessoa delirante, mas tudo é o enredo nesse livro. Não é como quando leio Virginia Woolf, que fecho os olhos pra guardar algumas frases que são tão lindas lindas que machucam e deixam triste... (a própria Virginia disse que a beleza era infernalmente triste, algo com que tendo a concordar).Ainda saio dançando "Catcher" quando algo de animador me acontece; canto no chuveiro. Descobri depois uma pá de músicas com referências assim diretas ao livro, uma até do malfadado Chinese Democracy, do Guns. Tem uma muito bonitinha e simples, do John Ralston, que também acredita que é cada um por si: "No Catcher In The Rye" tem a singela letra:

"Black days,
white nights,
nothing hurts when you’re anaesthetized.
Blue skies,
suicide,
maybe there’s no catcher in the rye"

Resolvi partir pro Franny & Zooey, que acredito ser o segundo livro mais famoso do Salinger, e que era o preferido da Judy, em Once and Again. Adendo: o fato de ter uma Zooey no seriado sempre me fez pensar que os dois personagens-títulos do livro eram femininos... Apesar do segmento "Zooey" ter mais revelações e cada gotinha de informação sobre os Glass ser uma delícia, ainda prefiro o "Franny". Não porque, como explicitei acima, prefira Franny, a personagem. Ela também aparece nessa segunda parte, numa crise imobilizante que vi compararem a da Margot Tenenbaum em Os Excêntricos Tenenbaums (volto a isso num instante). O caso é que a segunda parte fica um pouco didática. Acho maravilhosa também e ecoa muitos pensamentos e coisas que me preocupam, mas, como Zooey em relação a Franny, perde em intuição pra ganhar em premeditação. Imagino se o Salinger escreveu com tópicos ao lado... Entre os premeditados e os intuitivos, é da minha natureza preferir os últimos. Pesquisando sobre Salinger, a pessoa, me pareceu alguém com um quê de nocivo, apesar de toda a busca religiosa, tem algo de desagradável, de premeditado também. Mas é só uma impressão, obviamente. Franny & Zooey, o livro, veio da Paraíba. Next step: Nove Estórias, vindo de São Paulo. Quero conhecer melhor todos e, claro, quero muito ler To Esmé With Love and Squalor, de onde veio a Esmé Squalor da série Desventuras em Série (criança diz rs).


Sobre os Tenenbaums: parece que o Wes Anderson admira o Salinger e se inspirou livremente (e não oficialmente, claro, rs) na família Glass para criar a sua excêntrica família. Boo Boo, uma das irmãs Glass, aparentemente das mais prosaicas, casou com um homem de sobrenomeTannenbaum . Vi uns blogs fazendo a leitura de que a Margot seria a Franny. Ou o Wes leu errado, ou eu vi errado. Senti vibes, pra ficar com uma palavra horrível, totalmente diferentes. Apesar da crise das duas, o que na Margot é mera apatia, em Franny é choque. Sobre a natureza das duas, não vejo qualquer leveza na Margot - nesse sentido de ternura, acho que a Franny se aproximaria mais do Richie, não por acaso meu Tenenbaum favorito. Mas, bom, foi/seria apenas uma leitura livre do Wes. E pra quem quer saber, o Richie seria o Seymour (suicídio quem curte) e Chass seria Zooey. O que realmente lembra é aquela coisa de família de prodígios, que ambas as obras mostram. E, como diz mamãe Glass, de que adianta serem tão inteligentes senão são ao menos felizes?