sexta-feira, 8 de julho de 2005

Gisele

Eu e Gisele Bündchen
Vi a modelo Gisele Bündchen na semana passada, numa festa organizada por um provedor de internet. Tentei descobrir quanto ela tinha ganho para comparecer ao evento, mas sou um mau jornalista e não obtive a informação.
A festa se realizava num casarão abarrotado de gente. Gisele Bündchen, porém, não se misturava conosco, permanecendo numa salinha reservada, atrás de espessas cortinas, com o acesso limitado apenas a uns poucos privilegiados. Eu não era um deles, infelizmente. Pelo contrário: tinha entrado de bico na festa, graças à operosidade de um amigo fraterno. Como Gisele Bündchen podia ser um bom tema para um artigo, tendo sido inclusive reportagem de capa de VEJA, resolvi me empenhar para penetrar em sua salinha. Minha primeira iniciativa foi tentar comprar o crachá de um dos inúmeros fotógrafos presentes à festa, mas nenhum se dispôs a aceitar minha generosa oferta. Decidi então procurar outros canais, falando com todas as pessoas que encontrava. Senti-me como naquele filme do italiano Marco Ferreri, em que o protagonista vai a Roma e perambula para cima e para baixo, em busca de uma audiência papal. Por volta de 3 da madrugada, finalmente, consegui encontrar um espírito benemérito que me permitiu entrar na salinha-bunker de Gisele Bündchen. Ela estava sentada numa poltrona de veludo. Percebendo meu embaraço, levantou-se, reclinou o tronco para ficar da minha altura e abençoou-me com dois beijos no rosto.
Nesse exato instante, o artigo que eu havia composto na cabeça foi para o espaço, dissolvendo-se irremediavelmente. No artigo, eu pretendia estabelecer um paralelo blasfemo entre a fila de admiradores diante da salinha de Gisele Bündchen e a procissão de fiéis a um santuário religioso. A partir daí, passaria a tecer amargas considerações sociológicas relativas à efemeridade do mundo contemporâneo. Parecia-me excessiva a atenção em cima dela. Quase patológica. Sempre considerei que era necessário colocar esses fenômenos de massa nas devidas proporções. Era essa minha intenção no artigo sobre Gisele Bündchen. Quando a vi frente a frente, entretanto, todas as minhas defesas intelectuais ruíram, e, para minha grande vergonha, caí de joelhos numa espécie de êxtase religioso, exatamente como os outros infelizes que ali se encontravam. Nunca vivi tamanha humilhação. Não tinha o menor cabimento que um intelectual sério e desencantado como eu reagisse de maneira tão infantil e obtusa diante de uma menina de 19 anos, que nem se deu ao trabalho de abrir a boca. Mas foi o que aconteceu. Na desesperada tentativa de racionalizar esse sentimento, perguntei-me quanto eu havia sido influenciado pela propaganda e quanto havia sido motivado, efetivamente, por sua extraordinária beleza. Não cheguei a conclusão alguma. A essa altura, a última arma que me restava era me desincorporar e observar a cena do lado de fora. O que vi foi uma fábula dos Irmãos Grimm, com um gnomo aos pés de uma valquíria. Essa imagem patética me permitiu recobrar a razão por uma fração de segundo, tempo suficiente para que eu virasse as costas e fugisse em disparada. Nunca mais quero ver Gisele Bündchen. Vocês que fiquem com ela.
Diogo Mainardi
(Veja - 09/02/2000)